Lidar com nossas sombras nem sempre é o que desejamos, principalmente no segundo encontro. O desejo se manifesta quando de fato somos desconhecidos para os outros.
Certa vez, atendi um paciente muito aflito que pediu uma orientação para seu caso, mesmo lhe dizendo para marcarmos um atendimento online com dia e hora marcada para entender a queixa de forma detalhada e correta na postura profissional conforme o CRP ( Conselho Regional de Psicologia de São Paulo), o mesmo impacientemente deixou de se comunicar via Whatsapp e me ligou insistentemente.
Deixei-o falar e o fez com muita eloquência, relatando toda sua trajetória de vida e verbalizando sua angustia pela situação em que se encontrava, dispus de desvelar possíveis hipóteses muito superficiais, mas reforcei orientar a marcar uma sessão pois naquele momento estava indisponível. Numa análise clínica é necessário uma escuta qualificada que não se resume em um único telefonema, muito menos em poucos sessões.
O paciente retomou o pensamento, verbalizando novamente sua trajetória de vida, desta vez encaixando reflexões que observei não ser de sua autoria, buscou retratar o pensamento alheio na tentativa que eu pudesse revelar o que estaria por detrás destas ponderações.
Fiquei intrigado por sua narrativa e o incentivei a fazer sua própria análise, me restringindo de não lhe dar meu parecer sobre o ensaio. Obviamente não teve êxito e se pôs a reafirmar sua condição psicológica de severa angústia e ansiedade, tanto por suas escolhas de vida, como em não compreender as reflexões de fonte desconhecidas que tentava em vão encaixar em sua vida.
Disse-me então que não tinha dinheiro para dispor para uma sessão em meu consultório e que já passava pelo SUS já algum tempo, relatou também que procurava psicólogos como eu para contar sua angústia e este lhe pudesse lhe passar algum parecer clínico. Avaliou esse procedimento como algo intrigante e que o fascinava já que cada profissional passava uma hipótese diferente, mas sentia aliviado pelo acolhimento que recebia num primeiro encontro mesmo que não presencialmente. Geralmente é de instrumento psicoterapêutico o acolhimento nas sessões iniciais para se entender a complexidade da queixa, como também estabelecer vínculo paciente/psicólogo.
O que ocorreu? O paciente não lida com suas sombras, as escolhas que fez, resultou em suas angustias e possível quadro depressivo. Não é fácil lidar com isso, mas não é possível mascarar eternamente essa situação pois inevitavelmente isso acaba gerando um adoecimento somático, um desbotamento social e quem sabe fobias. O fato de procurar ajuda já é um indicio de quebra de limiar.
Ao se colocar num primeiro contato de forma aflita para um profissional desconhecido, o mesmo busca o acolhimento, a escuta de ser ouvido sem ser taxado, isso o conforta, há uma necessidade de ser atendido, mas só funciona quando ainda não se estabelece um vínculo. O engajamento de mais sessões se aproxima da possibilidade de ter que lidar com suas sombras que o impede de continuar. Isso não é psicoterapêutico.
O resultado dos acolhimentos dados por outros psicólogos é vinculado por hipóteses a serem trabalhados em sessão (como ponto de partida), cada profissional qualificado tem um argumento diferenciado baseado por seu período de estudo acadêmico e experiências em set clínico. Quando o paciente tenta encaixar esses argumentos a sua vida, não compreende porque não se permitiu ao tratamento a longa prazo, lidando a situação como bônus recebido mas que não entende sua funcionalidade. O paciente na verdade tendencialmente buscou o acolhimento e a escuta como ponto central, não valendo-se a se desdobrar e ver o que oculta de fato em sua vida e em suas escolhas. Lidar com nossas sombras nem sempre é o que desejamos, principalmente no segundo encontro. O desejo se manifesta quando de fato somos desconhecidos para os outros....
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